Era Trump: Desafios para indústria brasileira

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Em um curto período de tempo, Donald Trump já deu importantes passos demonstrando qual será o direcionamento da sua política econômica. Provavelmente a principal diferença em relação aos presidentes anteriores está nas relações comerciais. Segundo Trump, décadas de abertura comercial foram responsáveis pelo colapso da manufatura americana. Argumenta ele, portanto, que é fundamental rever os acordos de livre-comércio que envolvam os Estados Unidos, a fim de garantir a recuperação dos empregos e dos salários dos trabalhadores norte-americanos.

Seguindo o que já era prometido em campanha, seu primeiro passo nesse sentido foi o de minar as possibilidades dos Estados Unidos entrarem no acordo de comércio e investimento do Pacífico, o TPP, que envolvia os Estados Unidos, Canadá e México, países sul-americanos como Peru e Chile, além de Austrália, Japão, Malásia e outras economias menores. Na mesma direção, o bilionário norte-americano também disse que irá renegociar cláusulas importantes do Acordo de Livre Comércio da América do Norte, o NAFTA, e não poupou críticas sobre as condições que a China atua dentro da Organização Mundial do Comércio, a WTO, afirmando que os asiáticos manipulam a taxa de câmbio e tem um comportamento desleal ao fornecer subsídios injustos para indústria local.

Não há dúvidas, portanto, que Donald Trump é um crítico feroz do livre comércio e adotará medidas protecionistas para promover a produção e o emprego nos Estados Unidos. Porém, a pergunta que cabe aos brasileiros é: como isso afetará a nossa economia? Mais especificamente, devemos nos indagar sobre a importância disso para o setor produtivo, com especial destaque para as manufaturas e para os serviços sofisticados, como engenharia, design e comunicações. Compreender o impacto Trump é fundamental para sabermos quais são os desafios e oportunidades que a indústria brasileira enfrentará nos próximos anos.

Argumenta-se que grande parte das exportações brasileiras para os Estados Unidos são produtos agropecuários e minerais e que, portanto, o impacto dessas medidas para a indústria brasileira seria menor. Será? De acordo com dados do Sistema Aliceweb, responsável pela consolidação das informações de comércio no Brasil, 22,3% dos US$ 23,2 bilhões exportados para os Estados Unidos são produtos do agronegócio ou da mineração. Em contrapartida, a indústria mais sofisticada, como a produtora de maquinário e de materiais de transporte, tem um peso muito mais relevante. Apenas a indústria aeronáutica foi, em 2016, responsável por 13,7% das exportações para a economia norte-americana. A indústria de máquinas, equipamentos e materiais elétricos e eletrônicos, por sua vez, foi responsável por 18,7% das exportações brasileiras para o país de Trump.

Se compararmos a estrutura de exportações para os Estados Unidos com a estrutura de exportações para a China, a importância dos americanos para a indústria fica ainda mais evidente. Do total das exportações brasileiras para os asiáticos (US$ 35,2 bilhões), 83,9% são produtos do agronegócio e produtos minerais, destacando-se sementes, grãos e frutos (40,9%) e minérios (22,0%). Máquinas, equipamentos, materiais elétricos e eletrônicos e equipamentos de transporte, que inclui aeronaves, representam em conjunto apenas 3,1% das exportações brasileiras para a China. Não há dúvida, portanto, que as exportações industriais brasileiras serão muito prejudicadas pelas políticas protecionistas de Trump. Os Estados Unidos, ao contrário da China, são um grande demandante dos manufaturados brasileiros, com especial destaque para os produtos de maior conteúdo tecnológico.

A indústria brasileira precisará, nesse sentido, repensar sua estratégia de inserção global, pois um dos seus principais mercados internacionais tende a se fechar cada vez. Não haverá o mesmo acesso dos últimos anos.
Será preciso buscar novos mercados através de investimentos em inovação de produtos e processos e em gestão, o que exige que sejam criadas linhas de crédito específico para esse tipo de investimento. Há segmentos da indústria que já estão consolidados tecnologicamente, mas que precisarão de um reforço para sustentar sua competitividade diante de uma possível redução de demanda dos Estados Unidos. No caso desses segmentos, é fundamental que o crédito para investimento em atividades inovativas não seja uma restrição.

Paralelamente, é muito importante que seja realizado um amplo plano de investimento público e privado em infraestrutura. Por um lado, esses investimentos são muito importantes para manter a competitividade da produção industrial, pois reduzem custos logísticos e de produção, como energia elétrica. Por outro, a demanda gerada por esses investimentos pode garantir a manutenção da atividade de segmentos estratégicos da indústria de máquinas e equipamentos, os quais o Brasil é bastante competitivo internacionalmente.

Por fim, é mais do que urgente uma reestruturação das variáveis macroeconômicas, as quais são elemento-chave para o crescimento industrial. As taxas de juros reais no Brasil estão entre as maiores do mundo e a taxa de câmbio, além de valorizada, apresenta forte instabilidade. Diante desse quadro, os investimentos no setor produtivo, sejam de capital nacional ou estrangeiro, não são atraentes. É preciso criar um ambiente macroeconômico propício ao investimento produtivo para que o aumento do protecionismo nos Estados Unidos não represente o fim definitivo da indústria brasileira no cenário internacional.

Guilherme Magacho é economista, PhD pela Universidade de Cambridge (Reino Unido), professor da FACAMP e consultor da FGV Projetos.

Igor Rocha é economista, PhD pela Universidade de Cambridge (Reino Unido), e diretor de Planejamento e Economia da Abdib.

Artigo publicado originalmente no Estadão.com.