Projeto de lei amplia as chances, mas deixa de dar passos fundamentais para universalizar saneamento básico mais rapidamente

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O Senado Federal aprovou no dia 6 de junho o PL 3.261/2019, que atualiza o marco regulatório que rege os serviços de saneamento básico. O texto deveria trazer inúmeras inovações regulatórias na proporção da carência existente na prestação de serviços, mas deixou escapar a oportunidade. O texto que ingressou no Plenário do Senado Federal foi alterado, mudando propostas que poderiam endereçar de forma estrutural os desafios para expansão e a melhoria da infraestrutura de saneamento.

De forma resumida, caberá aos governos locais decidirem se o capital privado, considerado essencial para acelerar o passo rumo à universalização do saneamento básico, deve ter a oportunidade de competir e investir, ampliando a infraestrutura e operando os serviços. Ampliar os investimentos é fundamental. A média anual de investimento raramente ultrapassou 0,20% do PIB nos últimos 15 anos – e a necessidade é investir 0,45% do PIB por anos seguidos para se aproximar da universalização dos serviços de água e esgoto em 2033.

O histórico de discussões em torno do marco regulatório do saneamento básico no Brasil tem sido difícil, ao contrário de outros setores de infraestrutura, para os quais já foram equacionados modelos institucionais e regulatórios determinantes para atrair investimentos. Em 2016, o governo federal abriu discussões para entender e contornar amarras regulatórias e financeiras que dificultam a expansão dos serviços. Afinal, a Lei 11.445/2007, que demorou 20 anos para nascer, mostrou-se, dez anos depois, insuficiente para fazer frente aos desafios. Duas medidas provisórias ofereceram justificativas e propostas para abrir mais espaço para o setor privado e, assim, acelerar os passos para a universalização. Não vingaram.

O setor de saneamento tem um modelo complexo no Brasil, sem igual em outros setores de infraestrutura e mesmo em outros países. A esfera federal da administração pública detém a maior parte dos recursos – tanto os não retornáveis, do Orçamento Geral da União (OGU), quando os retornáveis, de linhas de financiamento. Os estados, por meio de companhias públicas, respondem majoritariamente pelo atendimento. E os municípios, 5.507 localidades, respondem pelas decisões – o poder concedente. Não é por menos que o saneamento é o setor mais fechado para investimento privado – e também o mais carente de investimento.

Ficou pelo caminho – O PL 3.261 aprovado no Senado Federal endereçou alguns problemas, mas deixou algumas soluções estruturais pelo caminho. Primeiro ponto: os atuais contratos de programa, firmados sem licitação entre entes públicos, ganharam sobrevida e permissão para serem renovados uma vez. Essa autorização afronta o princípio da competição e mantém os mesmos problemas diagnosticados – poucas empresas estaduais apresentam condição de investir o montante necessário para a universalização. Em pleno século XXI, o Brasil tem mais de 100 milhões de pessoas sem coleta adequada e tratamento de esgotos.

Segundo ponto: a Agência Nacional de Águas (ANA) não ganha novas competências, como a de instituir normas de referência para a regulação e fiscalização dos serviços, pois isso não pode ser feito por um projeto de lei de origem no Poder Legislativo. Ao deixar caducar duas medidas provisórias na sequência (MP 844/2018 e MP 868/2018), essa oportunidade foi perdida. Isso induziria padrões regulatórios mínimos – ponto essencial ao capital privado – em um mercado tão carente de investimentos e que precisa atrair recursos de diversas fontes. É urgente que autoridades governamentais e políticas legislem sobre o tema pelos instrumentos legais pertinentes.

Aspectos positivos – Há pontos positivos no texto aprovado, como, por exemplo, regras em prol da privatização de companhias estaduais. Anteriormente à alienação de controle, o ente controlador da companhia estatal apresentará aos titulares dos serviços uma proposta de continuidade ou de substituição dos contratos existentes. Os titulares dos serviços terão o prazo de 180 dias para manifestar a decisão. Se a anuência não for dada, a indenização por investimentos feitos e não amortizados deve ser feita previamente e de uma única vez para retomar o serviço.

Um segundo ponto elogiável é que o texto aprovado manteve o conceito de regionalização dos serviços. Caberá aos estados definirem por lei quais municípios deverão compor os blocos. Essa inovação é importante para dar escala aos investimentos e à prestação dos serviços, beneficiando municípios de diferentes portes e perfis de renda.

Resíduos sólidos urbanos – O projeto de lei aprovado também alterou regras no setor de resíduos sólidos urbanos, considerando que os municípios não cumpriram dispositivos da Politica Nacional de Resíduos Sólidos, que determinou a erradicação dos lixões no Brasil até agosto de 2014. Atualmente, ainda há 3.000 dessas instalações irregulares. Os senadores prorrogaram o prazo para as prefeituras substituírem lixões por aterros sanitários até 31/12/2020. Estimativas apontam a necessidade de 500 aterros regionais.

Como incentivo para soluções estruturais e sustentáveis do ponto de vista técnico, ambiental e financeiro, o legislador concedeu prazos adicionais aos gestores municipais, que podem se estender até agosto de 2014, a depender do tamanho do município, desde que estes elaborem e aprovem planos municipais ou regionais de gestão dos resíduos sólidos e também desde que instituam mecanismos de cobrança pela prestação dos serviços, o que é fundamental para planejar a erradicação do problema no longo prazo e para garantir a sustentabilidade econômica e financeira da prestação ambientalmente adequada dos serviços.

Dentro da realidade brasileira, o texto aprovado concede um benefício às administrações públicas locais. Mas, em paralelo, condiciona isso à uma solução estruturante. Torna-se então um marco definitivo para as prefeituras o dia 31/12/2020, data em que elas terão de comprovar a erradicação dos lixões ou então a existência de leis instituindo planos de resíduos sólidos e cobrança pela prestação do serviço de coleta e gestão dos resíduos sólidos urbanos.

Próximos passos – Resta a expectativa que os pontos negativos sejam melhorados pelos deputados e, depois, que estas melhorias sejam preservadas pelos senadores, que terão a palavra final. E que A ANA recebe competências adicionais, conforme planejado, por meio de instrumento legal adequado, conforme os regimentos dos Poderes Executivo e Legislativo.