Processos judiciais podem se transformar em fonte de recurso para empresas

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Executivos financeiros e jurídicos participaram de um debate na Abdib, no dia 12 de fevereiro, para conhecer o potencial existente em créditos judiciais e direitos judiciais.  Trata-se de um mercado em crescimento no Brasil, mas pouco conhecido. As informações foram fornecidas pelos advogados Michael Altit e André Daibes, do escritório Müller Altit Advogados, durante mais uma edição do Diálogos da Infraestrutura, uma série de debates organizada pela Abdib para elucidar temas do setor. Eles explicaram o funcionamento e os desafios das operações de aquisição de créditos e direitos vinculados a ações judiciais, inclusive de empresas em recuperação judicial.

As explicações buscaram esclarecer quais fatores impactam no valor esperado das disputas judiciais ou arbitrais propostas pelas empresas e como esses ativos, muitas vezes não contabilizados, podem servir de lastro para a captação de novos recursos financeiros. “É uma oportunidade de negócios que está fora do radar dos diretores jurídicos e financeiros”, afirmou Michael Altit, complementado que este mercado está se desenvolvendo bastante no Brasil. Em 2018, o escritório realizou operações no montante de R$ 2 bilhões em valor nominal e desembolsos de R$ 500 milhões. “As demandas judiciais são tratadas nos departamentos jurídicos e não são percebidas como oportunidades. Esses ativos estão lá e merecem ser analisados porque significam oportunidades muito valiosas”, disse André Daibes.

Michael Altit explicou que há nos balanços corporativos ativos específicos que podem ser monetizados. Ele comparou o objetivo do negócio a uma operação de “compra e a venda de tempo”. O titular do crédito tem um determinado ativo que, pelas vicissitudes do Poder Judiciário brasileiro, não sabe quando isso se transformará efetivamente em dinheiro. Existe expectativa que a ação judicial vai prosperar de forma positiva, mas nem sempre a empresa pode esperar por essa liquidez. Na outra ponta tem investidores que têm interesse em “vender esse tempo”.

Estoque de processos – Os especialistas deram números que ajudam a mostrar o tamanho da riqueza não percebida pelas empresas nas operações de créditos e direitos judiciais. A partir de estatísticas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), calcula-se que o Brasil encerrou 2018 com um estoque de 88 milhões de processos judicias em todas as instâncias. Desse montante, cerca de 80%, ou 72 milhões de processos, envolvem pessoas jurídicas (47 milhões para empresas de grande porte e 25 milhões as de pequeno porte). O ônus de administrar tal contencioso – taxas, deslocamentos, custos advocatícios – em 2017 é estimado em R$ 157 bilhões.

“A tendência é olhar esses processos de forma negativa, como um passivo, um custo, o que não deixa de ser verdade, mas há oportunidades”, disse André Daibes, explicando que esses processos significam um ativo de cerca de R$ 7 trilhões – o equivalente ao PIB brasileiro. Para o especialista, a monetização desse estoque de ativos significa uma fonte de recursos que as empresas não estão utilizando e que pode ajudar a substituir outros financiamentos a custos variados, inclusive ajudando a reduzir o ônus de administração (por volta de R$ 157 bilhões). “Este estoque de R$ 7 trilhões está nas entranhas jurídicas e as empresas não percebem”, afirmou. “Todas as empresas, de certa maneira, têm uma fatia desse contencioso dentro de casa e não se dão conta que isso pode ser alvo de operações estruturadas de monetização destes ativos”, concluiu.

No mundo – A monetização de créditos e direitos judiciais não é uma questão nova no mundo, mas há diferenças quando se compara ao Brasil, mercado onde tais operações surgiram recentemente. No Brasil, há impactos derivados da imprevisibilidade exagerada do funcionamento do Judiciário – sobretudo com relação ao tempo de solução dos conflitos.

“O modelo existente nos outros lugares geralmente é o financiamento de litígios, onde a operação financia uma pessoa em troca de um pedaço do litígio quando ele se transforma em dinheiro. Aqui no Brasil, por causa da incerteza de tempo e da segurança jurídica, fazer um financiamento com tempo praticamente infinito é muito inseguro – fica faltando uma perna da equação para calcular a remuneração efetiva”, explicou André Daibes. “O que acaba acontecendo no Brasil é que os investidores adquirem um pouco de risco jurídico e muito do risco de tempo e os modelos de estruturação servem para mitigar esse risco ou dividir o risco entre as partes.”

Daibes explicou que em outros países essas incertezas são menores, pois há um rol bem mais limitado de possibilidades de questionamentos em sede de processos de execução, que envolvem quase sempre apenas atos executórios e de expropriação pura, onde o bem é tomado e transformado em dinheiro de maneira muito célere. No Brasil, de outra forma, há muitas regras processuais peculiares. Nos países da “common law” (termo referente a países nos quais o direito se desenvolveu por meio das decisões dos tribunais em vez de atos legislativos ou executivos), explicou o especialista, a fase de execução não dá margem para questionamentos de mérito ou rediscussões que impliquem em revisitar provas já produzidas.

Já no Brasil, o sistema processual é profícuo na garantia do direito de defesa do executado. Mesmo após o transcurso de todo um processo de conhecimento, o executado tem instrumentos processuais à disposição para, na prática, reabrir diversas questões. Segundo Daibes, é raro encontrar em outros países instrumentos como embargo de devedor, exceção de pré-executividade, ação rescisória e até usos anômalos de mandados de segurança. “Há decisões que, tomadas em sede de processos executivos, aumentam a incerteza quanto ao tempo de recebimento dos ativos. Essas decisões são capazes de procrastinar – às vezes por anos – a satisfação do credor que venceu a demanda judicial”, concluiu.

Desfechos diferentes – Outro ponto que justifica a prevalência no Brasil de operações de venda de ativos judiciais sobre operações de financiamento de litígios é a insegurança jurídica que decorre do sistema judicial brasileiro, onde quase não há limites ao princípio da independência dos juízes. Isso faz com que casos iguais possam ter decisões completamente diferentes, o que reduz de forma drástica a previsibilidade do desfecho de uma demanda judicial. A imprevisibilidade sobre o mérito de uma determinada discussão, adicionada à imprevisibilidade temporal causada pela existência de infindáveis recursos e instrumentos que tornam o litígio sem fim, afasta o financiador. “Fica praticamente impossível definir a taxa de juros satisfatória sem levar o valor presente da demanda a zero”, explica Daibes.

O potencial da monetização de créditos e direitos judiciais envolve demandas contra entidades privadas ou contra o poder público. O mercado tem adquirido ações na fase de conhecimento, com ou sem o transitado em julgado, ou que já estejam em fase de execução. Caso o réu seja a União, estado ou município, dentre outros, cuja condenação resulta na expedição de um precatório, os investidores têm adquirido estes ativos em fase anterior à sua emissão.

“Temos trabalhado em operações com classes bastante variadas de ativos: operações de aquisição de créditos ajuizadas na década de 90 com indenizações ligadas ao controle de preços, precatórios de estados do nordeste, como Pará e Maranhão, cobrança indevida de impostos como recentemente julgou o STF quando decidiu pela exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, créditos contra estados por obras realizadas e medidas mas sem pagamentos”, disse Michael Altit.