Editorial: Um mapa para não desperdiçar 2018

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O Brasil nunca perde a oportunidade de perder uma oportunidade. Essa máxima do economista e diplomata brasileiro Roberto Campos (1917 – 2001) tem se mostrado inexorável, com raras exceções. O país que mais cresceu no século XX até meados da década de 70 perdeu o rumo com a crise da dívida externa e a hiperinflação dos anos 80. O ano eleitoral de 2018, então, passa a ser uma nova oportunidade para o país definir uma estratégia de desenvolvimento e reencontrar o caminho do crescimento.

Nos últimos trinta anos, por um lado, vários avanços importantes ocorreram na economia: abertura comercial, privatizações, concessões de serviços públicos à iniciativa privada, programas de recuperação do setor financeiro (Proer e Proes) e lei de responsabilidade fiscal, equilíbrio nas contas externas, entre outros. Por outro lado, pouco se fez no sentido de definir uma estratégia de desenvolvimento sustentado de médio e longo prazo, seja do ponto de vista do setor produtivo (indústria e Infraestrutura), seja do ponto de vista tributário e fiscal.

Nesse período as  taxas de crescimento do Brasil foram modestas, com exceção do período de boom das commodities no mercado mundial. O país abusou do câmbio valorizado e de taxas de juros exuberantes para manter a estabilização. Essa política corroeu a competitividade da indústria, juntamente com a falta de investimento em infraestrutura.

Tal situação trouxe sérias consequências, pois a transição de um país emergente de renda média para uma nação desenvolvida de renda elevada não ocorrerá sem o lócus de inovação e produtividade que a indústria proporciona. Em que pese a importância de políticas horizontais para o sucesso de um país, como instituições fortes e sistema educacional de qualidade, a indústria de transformação é motor de geração de riqueza e desenvolvimento.

A despeito desses benefícios, há uma posição que culmina na demonização de instrumentos importantes de política pública – como financiamento público, incentivos fiscais e conteúdo local – que foram ou são utilizados por diversos países emergentes e desenvolvidos. Aqui, por erros de execução, há preferência por abdicar de tais instrumentos que, se utilizados com inteligência, planejamento e monitoramento, têm potencial de trazer resultados positivos concretos para o Brasil, como ocorrido nos Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão, China e outros países.

Na infraestrutura, o rastro indica também uma evolução sofrível. Uma avaliação mais apurada revela que a maioria dos projetos de investimento são remanescentes e/ou arremedos do planejamento estatal da década de 70. Infelizmente, não houve uma estratégia de desenvolvimento definida, com programas de investimentos articulados e prioritários, que pudessem indicar o rumo da economia e levar ao aumento da sua eficiência produtiva e melhora da competitividade.

O planejamento precisa avaliar os polos nacionais de desenvolvimento em conexão com a economia global. Identificar projetos com racionalidade econômica e viabilidade ambiental, que busquem melhoria de eficiência, ofereçam melhores condições de atratividade para o investimento privado.

Em paralelo, é fundamental aumentar a sensação de segurança jurídica na infraestrutura. Nos últimos anos, infelizmente, muitos fatores e conflitos têm criado dúvidas na tomada de decisão dos investidores e também dos gestores públicos.

A segurança jurídica depende fortemente da clareza dos marcos regulatórios, da eficiência e independência das agências reguladoras, da celeridade do funcionamento do Poder Judiciário, do cumprimento de contratos, da eficiência na solução de imprevistos ou reequilíbrios nos contratos e do exercício equilibrado nos processos de fiscalização e controle. Investir em infraestrutura tornou-se uma corrida com obstáculos que, cada vez mais, têm causado tombos nos agentes envolvidos.

Essa agenda está profundamente entrelaçada à conclusão de um conjunto de matérias legislativas que prometem consolidar e modernizar leis e regulamentos nas áreas de infraestrutura. No vaivém entre Poder Executivo e Congresso Nacional, evoluem em estágios variados de tramitação mudanças nas regras de licenciamento ambiental e de desapropriações por utilidade pública, de governança das agências reguladoras, de funcionamento das licitações públicas e mudanças regulatórias impactantes nas áreas de energia elétrica, gás natural, petróleo, telecomunicações e saneamento básico.

Mas pouco adiantará contar novamente com um planejamento adequado ou conseguir reforçar a percepção de segurança jurídica no ambiente de negócios nos setores de infraestrutura se o Brasil não conseguir conjugar pragmaticamente investimentos públicos e privados. O país precisa de todas as fontes possíveis de investimentos e financiamento. Neste ambiente, há a necessidade de se adotar novas estruturas de garantias, além das corporativas, que permitam o financiamento dos investimentos de longo prazo.

Essa agenda econômica é capaz de criar condições favoráveis ao investimento, público e privado, nacional e externo, em nova oferta de infraestrutura no Brasil. A infraestrutura é uma peça crítica no quebra-cabeça do desenvolvimento brasileiro. A retomada do crescimento econômico depende da recuperação do nível de investimento na economia, que por vez depende dos aportes na expansão da infraestrutura, que é fundamental para a melhora da competitividade brasileira.

A necessidade de investimentos na infraestrutura é avassaladora. A infraestrutura precisa de aproximadamente R$ 300 bilhões ao ano (algo em torno de 5,0% do PIB), por uma década seguida, ininterruptamente, se a pretensão for dotar o país de condições para a inserção competitiva na economia global e para a ampliação da qualidade de vida interna. Mas, em 2017, os investimentos públicos e privados somaram pouco mais de 1,5% do PIB, o que é claramente insuficiente até para repor a depreciação (o que demanda 3,0% do PIB em investimentos). Em 2016, o indicador foi de 1,7% do PIB. O problema é que em 2018, considerado ano da retomada do crescimento econômico após uma das mais virulentas recessões no país, o investimento em infraestrutura não deverá alterar de patamar em relação à média do biênio 2016-2017. Há nitidamente um sinal amarelo piscando.

Para preencher essa lacuna de R$ 200 bilhões anuais, não há espaço para maniqueísmo. Só a junção do potencial de investimento público e privado poderá fazer frente às necessidades do país com infraestrutura. Mas desafios evidentes precisam ser equacionados.

Do lado do setor privado, há limitações e amarras, como já escritas. O primeiro ponto é que não há estudos e projetos de boa qualidade disponíveis em quantidade suficiente para que o setor privado aporte investimentos no volume anual necessário. A ausência de planejamento estatal adequado nas últimas décadas deixou a prateleira vazia. É uma situação paradoxal. O Brasil tem carência de infraestrutura, há liquidez internacional, há investidores no mundo procurando opções de investimento, sobram recursos no BNDES, mas faltam projetos bem estruturados.

Do setor público, a recuperação dos investimentos em infraestrutura será muito dificultada diante de um panorama fiscal restritivo. Há um ajuste incompleto nas contas públicas, refletido em déficit fiscal relevante e gastos correntes em elevação. Em adição, há imposições da nova lei que limita os gastos (PEC do Teto), cujos efeitos mais nítidos surgem já a partir de 2018. Esse enredo já resultou em corte brutal no nível de investimentos públicos nos últimos três anos, o que se repetirá no próximo triênio.  Por isso, é bastante previsível que a estrutura do processo de ajuste fiscal brasileiro tenha de ser revista no Congresso Nacional. Se isso não ocorrer, os legisladores terão de empreender mudanças constitucionais que permitam fazer as demandas sociais caberem dentro das receitas tributárias.

Além de ajustar despesas e receitas, a correção na política de ajuste fiscal é crítica porque é imprescindível recuperar a capacidade do Estado de investir, sobretudo em infraestrutura. Mesmo se o poder público for eficiente na diretriz de transferir o máximo possível de investimentos ao setor privado, há um estoque de ativos em poder da gestão pública que são intransferíveis pela simples falta de retorno ao capital aplicado no longo prazo. É assim no Brasil como em qualquer país do mundo.

De acordo com levantamento realizado pela ABDIB, a participação pública e privada nos investimentos em infraestrutura no Brasil e no mundo, considerando países desenvolvidos e emergentes, revela que o setor público mantém média significativa ou muito elevada de participação. Em alguns setores, o Estado tem presença majoritária, como saneamento básico e transportes.

Em comparação ao total investido em infraestrutura em cada país, os aportes públicos atingem 68% na Grécia e mais de 50% na Hungria, Malta e Eslovênia. Situam-se aproximadamente em 30% em nações como Eslováquia, Letônia, Reino Unido, Suíça, Áustria, Luxemburgo, Dinamarca, Estônia e Portugal. E representam 20% ou menos em Alemanha, Espanha, Bélgica e Irlanda. Na Ásia, há predominância do investimento e financiamento público ou equivalência com o privado nos principais países.

Em 15 países da América Latina e Caribe, incluindo Brasil, segundo o BID, números médios de investimento em infraestrutura entre 2008 e 2013 mostram que o setor público foi responsável por 90% dos aportes na área de recursos hídricos e saneamento básico e por 77% nos setor de transportes. Em energia e telecomunicações, os aportes do Estado corresponderam a 44% e 7% do total dos investimentos feitos.

No Brasil, país que já tem participação privada mais pujante que a média, o quadro se repete. O setor privado tem sido responsável nesta década por mais de 60% dos investimentos em infraestrutura, chegando a quase 70% em 2017. Mas o setor público continua com papel importante em modais de transporte, mobilidade urbana e saneamento básico.

Depois de todos os programas de concessões de rodovias realizados desde os anos 90, o Brasil ainda concentra 98,6% da malha rodoviária na gestão pública – incluindo governo federal, estados e municípios. Da extensão total pavimentada, somente 10% são administrados por concessionárias privadas. É viável conceder mais? Sim, claro – e o quanto antes. Mas é equivocado imaginar que é possível prescindir do investimento público.

Infelizmente, se mantidas as atuais condições, a infraestrutura não terá como cumprir papel relevante em 2018 para a retomada do crescimento econômico. Ações acertadas do poder público nos últimos anos, como o Programa de Parceria de Investimentos (PPI), regras regulatórias para retomar investimentos em contratos inviáveis e leilões de concessão em vários setores, não serão suficientes. Há uma lacuna de R$ 200 bilhões de aportes em infraestrutura que precisa ser preenchida. Com as decisões políticas e as ações públicas adequadas, os recursos disponíveis no mundo poderão desembarcar no Brasil. A oportunidade não pode ser desperdiçada.

Venilton Tadini é presidente-executivo da Abdib

Artigo publicado originalmente do Relatório Anual da Abdib 2018, lançado em fevereiro deste ano. Acesse o documento completo.