Ainda sobre a TJLP versus TLP

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A diferença entre teoria e prática nunca foi tão clara como no caloroso debate sobre a substituição da TJLP pela TLP. A implementação de um desajuste fiscal, que priorizou a redução das despesas com investimentos e, manteve os privilégios de segmentos abastados do setor público, colaborou significativamente para a queda dos investimentos da economia e o agravamento da crise econômica. De janeiro a junho de 2017, dados sobre a despesa do governo federal mostram que os investimentos foram reduzidos em R$ 11 bilhões.

Por meio da medida provisória nº 777 de 2017, aprovada na Câmara dos Deputados e que segue para o Senado, vemos a tentativa de instituição de uma taxa de juros de longo prazo, a TLP, equivalente à taxa de juros de títulos públicos de cinco anos, a NTN-B, como taxa referencial dos empréstimos, em substituição à TJLP. Com essa mudança estrutural no padrão de financiamento dos investimentos, particularmente aqueles associados à infraestrutura, a recuperação da economia pode ser severamente comprometida.

Os defensores da TLP se apoiam nas relações espúrias entre o setor público e privado, bem como em resultados discutíveis das políticas públicas, para validarem junto à mídia e à sociedade a retórica da eliminação da TJLP nos financiamentos do BNDES. De fato, pode-se discutir se a implementação de algumas ações por parte do Estado e suas instituições foram as mais adequadas. Pode-se questionar se houve uma baixa cobrança por performance do setor empresarial, elencar os equívocos das desonerações, ou mesmo uma eventual baixa ambição do Estado em desenvolver campeões nacionais em setores de média e alta tecnologia como no Leste Asiático. No entanto, parece mais correto corrigir os equívocos do passado do que propagar o descrédito das políticas públicas.

Lastreado por uma realidade fictícia, os proponentes da TLP elencam (i) a proteção ao trabalhador, (ii) o equilíbrio fiscal, (iii) a eficiência da política monetária, (iv) a democratização ao crédito e (v) o desenvolvimento do financiamento privado como resultados certos da medida. Infelizmente, na economia real, e especificamente brasileira, os canais de transmissão e a lógica dos agentes operam em um nível de complexidade muito superior e diversas vezes inverso ao desejado pelos preconizadores da TLP. Em outras palavras, como diria o seminal economista britânico John Maynard Keynes, “não nos esqueçamos de que podem surgir muitos percalços entre a taça e os lábios”.

Resumidamente, procuramos acessar os equívocos de cada um destes pontos. Primeiro, o economista Felipe Salto pontuou corretamente, na audiência pública que discutiu a MP nº 777, que o desequilíbrio do FAT não decorre da remuneração à TJLP dos financiamentos do BNDES oriundos dos recursos repassados pelo fundo. Isto porque, desde 1994, devido à implementação da DRU, os recursos do FAT vêm sendo erodidos. Ademais, em 2016, com a elevação da DRU de 20% para 30%, a situação se agravou com a retirada de R$ 11 bilhões do fundo.

Segundo, é essencial a melhoria do gasto público para recuperação da condição fiscal do Estado. No entanto, causa estranheza não se considerar o ajuste também pelo lado da receita oriunda da dinâmica econômica. Cortar gastos per se – sobretudo os de investimentos – em uma situação em que a arrecadação federal cai mais do que proporcionalmente ao corte dos gastos é comprometer ainda mais a já frágil competitividade da economia. Uma contração fiscal num contexto recessivo não pode resultar em crescimento tampouco à estabilização da dívida pública.

Terceiro, por um lado é verdade que as taxas de juros cobradas pelo BNDES não sofrem o mesmo impacto de elevações das taxas de juros, por parte do Banco Central, como no segmento livre, praticadas pelos bancos privados. No entanto, como pontuado pelo economista Ernani Torres na audiência pública de discussão da MP nº 777, para avaliar a potência da política monetária é importante verificar que os novos empréstimos do BNDES entre 2011 e 2016 responderam por apenas 3,8% do fluxo de novos créditos bancários, enquanto nesse mesmo período, os empréstimos da instituição correspondiam a 20,6% de todo o estoque de crédito dos bancos. Ademais, como alerta Yoshiaki Nakano da FGV-SP, é a indexação da taxa de juros de Banco Central à SELIC diária pós-fixada que enfraquece a política monetária.

Quarto, há o argumento que ocorreria a democratização ao crédito, uma vez que os recursos concedidos a TJLP se concentrariam nas regiões mais desenvolvidas. No entanto, os dados revelam que no período 2007 – 2017, o Sudeste e Sul perderam participação nos desembolsos do BNDES. Outras regiões como Centro-Oeste, Norte e Nordeste inversamente passaram de 30% (2007-2016) para 33% no período (2012-2016) na participação dos desembolsos. A despeito da forte concentração das indústrias no Sudeste e Sul, as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste têm uma participação nos desembolsos do BNDES proporcionalmente superior a sua contribuição industrial.

Por fim, mas não menos importante, há o argumento do desenvolvimento do financiamento privado. É preciso esclarecer que os bancos privados brasileiros terão dificuldades para ocupar o espaço do BNDES uma vez que não possuem funding adequado em termos de prazo para realizar operações ativas de crédito de longo prazo. Além disso, diante de restrições impostas por Basiléia III, comprometer-se com financiamentos de longo prazo não é a melhor estratégia para otimizar o giro dos ativos e, consequentemente, a remuneração das instituições financeiras.

Pelas razões expostas, e reconhecendo a importância do papel central da TJLP na viabilização de políticas públicas relevantes para o desenvolvimento do país conduzidos pelo BNDES, apesar dos percalços ocorridos, considera-se adequado a manutenção da TLJP para a remuneração dos recursos constitucionais do FAT repassados ao BNDES. Por outro lado, é imperioso reconhecer a importância da transparência dos recursos destinados ao funding do BNDES oriundos do Tesouro que deverão ser incluídos no orçamento e aprovados pelo Congresso Nacional e, portanto remunerados a TLP.

Venilton Tadini é presidente-executivo da Abdib.

Igor Rocha, economista, PhD pela Universidade de Cambridge, é diretor de planejamento e economia da Abdib. Venilton Tadini, economista e mestre pela USP, é presidente-executivo da ABDIB.