ONGs: organizações não-governamentais?

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Nas últimas décadas, organizações civis sem relação com os governos surgiram e se fortaleceram como plataforma para a sociedade atingir objetivos para os quais o Estado demorava ou falhava. Tais instituições, não-governamentais, passaram a aglutinar forças dispersas, a canalizar a energia delas para causas comuns e a catalisar realizações.

De lá para cá, em uma importante mudança de rumo, essas instituições passaram a contar, cada vez mais, com recursos governamentais para as causas que abraçaram. Na edição de 2010 de um relatório de uma associação que congrega organizações não-governamentais, uma pesquisa mostrou que a participação dos repasses federais ao orçamento das ONGs é crescente.
Em 2003, 16% das instituições não-governamentais tinham entre 41% e 100% dos seus orçamentos vindos dos repasses públicos. Em 2007, essa fatia subiu 37% das ONGs. O mesmo ocorre com repasses de governos estaduais. Em 2003, 2% das organizações tinham entre 41% e 100% dos seus orçamentos vindos dos governos estaduais. Em 2007, já eram 14%.
A partir do momento que essas organizações ganharam a possibilidade de se cadastrarem e se credenciarem para receber recursos oficiais, criaram uma dependência dos orçamentos públicos, desfigurando substancialmente os compromissos e o modo pelo qual elas desenvolvem as próprias atividades.
No Brasil, há contornos preocupantes. Há muitos questionamentos sobre o papel dessas entidades por parte dos órgãos públicos de fiscalização e controle. Um debate que ganha corpo é se essas organizações não deveriam ser também regidas pelas leis daqueles que recebem recursos públicos.
Na área de infraestrutura, especificamente, há um fenômeno relativamente recente. Organizações não-governamentais voltadas para causas do meio ambiente passaram a receber cada vez mais recursos públicos. Isso cria dependência e até um círculo vicioso. Na medida em que passam a contar com repasses do orçamento público, criam e abraçam causas como forma de justificarem os recursos que recebem – e que desejam continuar a receber. Para isso, adotam como método principal o conflito contra governos e empresas. Tudo com boa quantia de recursos públicos.
O que fazer? Não é simples, nem indolor. A alternativa de vetar o financiamento público para instituições não-governamentais poderia prejudicar instituições idôneas e úteis à sociedade. Por isso, o mais apropriado seria ampliar consideravelmente as exigências para cadastramento e enquadramento de organizações e também a fiscalização sobre elas. Outra ação seria exigir delas o mesmo tipo de responsabilidade cível, funcional e criminal de quem recebe recurso público.
O movimento não-governamental é internacional, legítimo, importante e tem apoiado a solução de mazelas em muitas áreas, como defesa de consumidores, transparência pública, meio ambiente, saúde e educação. Infelizmente, uma boa idéia foi deturpada a partir da simbiose entre causas não-governamentais e recursos governamentais. Será extremamente importante, para a preservação do movimento, uma reflexão sobre os desvirtuamentos e os mecanismos que a sociedade e o Estado precisam instituir para impedir possíveis transgressões.
Paulo Godoy é presidente da Abdib